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Transcrição:

E aí, galera do “Time to Learn Portuguese”. Aqui é o Fabrício Carraro de novo, e no vídeo de hoje eu vou falar com uma pessoa muito especial, que ela tem uma história muito interessante, porque ela é de Portugal, mas ela tem também uma pitada de Brasil, mais que uma pitada, na verdade.

E também, morou nos dois países, tanto em Portugal quanto no Brasil e ela pode contar um pouquinho dessas diferenças culturais, tanto da língua, quanto do dia a dia mesmo, da cultura desses dois países, que é a Manu! Vou chamar ela aqui para a tela.

– Olá Manu, tudo bem?

– Olá! Tudo ótimo e contigo?

– Ótimo. E você que está aí em casa, você vai notar muito bem a diferença do sotaque meu, que é bem brasileiro, e o sotaque dela, que é bem de Portugal, português de Portugal.

– Vou tentar falar bem devagar para dar para entender.

– Está ótimo. Mas então, Manu, eu queria que você contasse um pouquinho quem você é, né…Então, onde você nasceu, um pouquinho da sua história para os nossos ouvintes

entenderem bem essa mistura de Brasil e Portugal que estão em você.

– Então, a minha mãe é brasileira, o meu pai é português e eu nasci na Bahia, sou baiana arretada, mas quando eu tinha 5 anos, 6 anos, eu fui para Portugal e vivi lá toda a minha vida, até que eu fiquei um pouco mais curiosa sobre as minhas origens e fui viver…

Primeiro eu fui para Maceió, só 6 meses em Alagoas, assim, no Nordeste do Brasil, bem perto da Bahia, bem perto onde eu “nasci” ou nasci, e depois vivi três anos, acho que foram três anos em São Paulo, que foi onde até eu te conheci, e pronto, agora eu estou na Estônia, mas eu acho que isso… enfim!

– Eu queria saber se você se lembra como foi essa primeira mudança, de sair lá da Bahia com cinco, seis anos e ir para Portugal. Se você sentiu alguma diferença, se você lembra, tem memórias dessa época.

– Eu tenho algumas, em lembro de um… Da escola principalmente. As pessoas tinham muitas dificuldades em me entender. Hoje em dia Portugal tem muitas novelas, tem muito de tudo e entendem totalmente, mas antigamente já não era assim, não é? Estamos a falar de 95-94.

E eu lembro, por exemplo, na escola que eu queria ir no banheiro e o professor tinha dito que naquela hora ninguém podia ir, porque, sei lá, não me lembro. e em português de Portugal “banheiro” é “casa de banho”, só que eu não sabia, não é?

Então, eu disse: “Posso ir ao banheiro?” e ele: “Claro!”, porque ele não fazia ideia do que que era e deixou-me ir, mais ninguém. Eu acho que toda a gente me odiou.

Mas foi bem diferente tudo, não é? Primeiro o clima. O Nordeste brasileiro, e eu era mesmo do sertão da Bahia, em que, tipo, as minhas tias hoje dizem que 20 graus está muito frio. E de repente estava em Portugal, não é? Que apesar de tudo não é assim tão frio, agora eu sei. Mas que, mesmo assim, tipo, com 20 graus é mais ou menos, mas já está bom, não é? Mas as minhas tias estão com um casaco de inverno, não é? É completamente diferente!

Mas é, para uma criança foi mais fácil. Eu acho que foi mais difícil para a minha mãe, porque em termos de cultura é muito diferente, mesmo sendo tão próximos, ainda há muitas diferenças. Mas para uma criança eu acho que foi mais tranquilo.

– Legal! E aí você, bom, cresceu lá em Portugal, teve todas as experiências da escola, da faculdade e tudo mais, mas aí você foi…voltou para o Brasil para fazer esse estágio, né? Em Maceió, que você comentou, ou estudar lá também, né? E como foi essa volta? Depois de quantos…dez, quinze anos?

– É…Foi bem, também, complicado. Fui fazer intercâmbio, estudar, e a primeira diferença em termos de universidade, é completamente diferente, é muito mais prática, é muito mais… Eu estudava jornalismo, então tipo, fiquei-me novamente apaixonada, porque em Portugal é muito teórico, pelo menos a que eu fiz.

Mas para mim em termos culturais também foi…Eu lembro que no primeiro dia um amigo meu estava… Que depois foi amigo, mas eu tinha acabado de conhecer. Ele estava a mostrar a universidade e no final ele me abraçou. E eu tipo: “Ok! Eu não te conheço…”

– Será que ele está tentando alguma coisa?

– Tipo, o abraço é demasiado íntimo para o pessoal em Portugal, é muito íntimo. Eu, mesmo com meus amigos, só quando eu fico muito tempo sem os ver que, é que eu abraço. Então eu, tipo, eu fiquei muito sem jeito, eu, tipo…”Uhh, acabei de conhecer a tua namorada!” Isso foi muito estranho.

Foi completamente… Foi o inverso. E aí já era mais adulta, não é? Então tipo, várias coisas….Eu sou considerada muito direta, as pessoas não gostam muito disso, não gostam de ir direto ao assunto, não é? Elas gostam muito de dar voltas e tudo muito florido. Eu sou demasiado direta para a maior parte dos brasileiros. É…foi complicado, mas muito interessante!

– E eu queria saber também as diferenças que você sentiu entre morar lá no Nordeste, né, em Maceió, e depois vir mais para a região Sudeste, que é em São Paulo, onde a gente se conheceu.

– É completamente diferente! Eu estava… Não sei o que eu estava à espera, eu acho que eu estava à espera mais de um ambiente nordestino em São Paulo. As pessoas são muito mais calorosas no Nordeste. Não literalmente, mas quando elas te abraçam na vida, tipo, “Ok, és minha amiga!”

Em São Paulo, a primeira impressão que eu tive foi muito estranha, porque as pessoas

dizem, “Ah, vamos combinar…” , mas é algo que nunca vai acontecer, não é?

– Mas é mais próximo com Portugal ou é também diferente de Portugal?

– Diferente de Portugal. É algo completamente diferente de tudo. Mas também, tipo, eu sou de Portugal e vivi a maior parte de minha vida em uma vila, muito pequena, numa pequena aldeia. E depois, a maior cidade em  Portugal que eu vivi tinha 100 mil habitantes.

De repente eu estou em São Paulo, que tem 12 milhões, 11 milhões, depende. Então eu senti pela primeira vez, também, estar sozinha entre a gente, né? Tipo, estares rodeada de pessoas e sentir-se sozinha. As pessoas são mais calorosas, mas é algo mais

do momento. Eles, no momento, estão lá, totalmente. Mas qualquer coisa à parte disso, tipo: “Vamos combinar!”, ou: “Esse fim de semana vamos fazer alguma coisa!”.

Eu lembro a primeira vez que alguém me disse isso, e eu, “Claro!”. E depois no fim de semana: “Então, vamos?”, e ela: “Não, não vai acontecer”.

– A gente tem uma piada até para isso, que é o “Vamos marcar!”, que você vai combinar, “Ah, vamos marcar alguma coisa!”, e você sabe que nunca vai acontecer, é só para ser educado, para “Ah, você é uma pessoa bacana, legal e talvez eu me encontraria com você mais uma vez.”, é só isso.

– Exato! Mas para alguém que não sabe… Foi muito complicado no início. Eu realmente pensava, tipo, “Vamos então?”, “Ah, não, não, não, não”. E no Nordeste não é assim tanto. No Nordeste, geralmente, eles realmente, tipo, quando é…”Vamos fazer algo este fim de semana?”, geralmente acontece. Claro que nem sempre, mas geralmente é mais confiável.

– E teve algum problema, alguma história engraçada de problemas com a linguagem, de diferenças da língua mesmo? Porque eu tenho várias com você, inclusive, que muitas vezes você…a gente está conversando, você diz alguma coisa e eu fico com aquela cara de pastel, que eu não entendi nada. Mas… é menos frequente agora, mas antes era mais.

– Nós falamos quase há oito anos e ainda acontece, né? Ontem mesmo eu estava a falar com uma amiga minha brasileira e estava a dizer…porque em Portugal, em português de Portugal, “magoar-se” é “aleijar-se”. Tipo, “aleijei-me”, é normal, tipo, um corte, alguma coisa.

– “Magoar-se”… Ah, não! Isso é “magoar-se” no sentido de “machucar-se”.

– Exato.

– Porque no Brasil “magoar-se” é você ficar triste, alguém fez alguma coisa ruim e você ficou triste.

– Mas no Brasil “aleijado” é invélido, não é? Tipo…

– “Aleijado”, é… uma pessoa “aleijada”, que não consegue andar, por exemplo, uma pessoa inválida.

– Então tipo, ainda hoje acontece, não é? Mas em São Paulo teve várias, até porque eu já estava habituada de Maceió, mas em São Paulo é completamente diferente. Eu lembro-me que me…ensinaram-me umas gírias… então, que era do leste de São Paulo, que era “truta”, mas eu esqueci qual era o peixe, então eu disse: “Salmão!”

– Eu tive esse problema também quando eu estava na escola, quando…eu acho que eu tinha uns doze, treze anos de idade. E aí, um dia um menino chegou e começou, “Ah, ele é meu truta!”, e eu: “O que que você está falando? Que língua é essa?” Eu lembro exatamente desse momento porque eu também fiquei, “Que truta?”

– E para quem não sabe…

– Mesmo sendo de  São Paulo, então imagina.

– E para quem não sabe, que está assistindo a gente, “truta” é uma gíria mais do leste de São Paulo, como a Manu falou, que é algo como “amigo”, “brother”, “velho”, “mano”, como outras várias gírias que a gente tem lá, que em inglês seria algo como, “dude” ou “man”, algo mais ou menos assim.

– É! Em São Paulo também foi… Lembro que eu fui em um restaurante e então dizia: “Com mistura é um preço, sem mistura é outro”. E eu fui perguntar muito inocentemente à senhora, tipo: “O que é mistura?”, e ela: “Mistura é mistura!”, e eu: “Mas vão misturar o que com o quê?”

– Isso eu acho que é só em São Paulo ou nessa região ali. Eu acho que no Rio de Janeiro já não falam mistura, eu não tenho certeza.

– Não, não, eu acho que é só em São Paulo, porque eu já tive essa conversa com outras pessoas, e as pessoas, tipo: “O que é mesmo?”

– Sim, maravilha! Muito interessante, Manu! E bom, por hoje é isso pessoal! É uma primeira visita aqui da Manu para vocês terem o primeiro contato dessa diferença do português de Brasil com português de Portugal. Ela vai voltar aqui mais muitas vezes no futuro para ter outras conversas parecidas. Mas, bom, espero que vocês tenham gostado.

Foi bom para você Manu?

– Foi ótimo!

– Está ótimo, pessoal! Então, até a próxima! Tchau tchau!